20 de março é o Dia Internacional da Francofonia. É um momento para celebrar não apenas a língua francesa, mas também a diversidade cultural e o multilinguismo. A língua francesa é diversa. É o produto de um caldeirão linguístico composto por quase 300 milhões de falantes em todo o mundo.
Ensinar sobre a francofonia é sem dúvida a parte mais importante do ensino de francês! Meus alunos adoram aprender sobre países e culturas francófonas. Além disso, como professora de francês, também quero que meus alunos pensem criticamente sobre os legados do colonialismo no mundo francófono. Então, como equilibramos a celebração das regiões francófonas, mas também ensinamos sobre esses legados?
A Francofonia na Minha Jornada na Martinica
Viver na Martinica e atuar como assistente de língua portuguesa nas escolas foi uma experiência transformadora, não apenas no aspecto profissional, mas também no pessoal. Essa vivência me permitiu tomar consciência da importância da francofonia e do impacto da língua francesa no mundo.
A Martinica, como território ultramarino francês, ocupa um lugar singular dentro da francofonia. Ali, a língua francesa convive com o crioulo martinicano, e essa dualidade linguística reflete a riqueza cultural e histórica da ilha. No ambiente escolar, percebi como o francês não é apenas um meio de comunicação, mas um vetor de identidade, pertencimento e acesso ao conhecimento.
Como assistente de língua portuguesa, minha missão era despertar nos alunos o interesse por outra língua românica, promovendo o intercâmbio cultural entre o mundo francófono e o lusófono. No entanto, esse processo foi uma via de mão dupla: ao ensinar, também aprendi. Percebi como a francofonia vai além da França metropolitana e abrange uma diversidade de povos e territórios unidos por uma língua comum, mas enriquecidos por suas especificidades culturais.
Essa experiência reforçou minha compreensão do francês como uma língua de conexão global, presente em diferentes continentes e culturas. A francofonia não se trata apenas de compartilhar um idioma, mas de construir pontes entre sociedades, incentivando a diversidade e o diálogo intercultural.
Ao deixar a Martinica, levo comigo a certeza de que a francofonia é um espaço dinâmico e vivo, que continua a se expandir e se reinventar. Mais do que nunca, compreendo seu papel na construção de um mundo mais aberto, onde as línguas não apenas comunicam, mas também unem.
A Ausência dos Estudos Francófonos nos Cursos de Letras Francês: Um Limite para a Formação Docente
Os cursos de Letras com habilitação em francês, em muitas universidades, ainda se concentram majoritariamente na França metropolitana como referência cultural e linguística. No entanto, essa abordagem eurocêntrica pode limitar a visão dos futuros professores de francês, restringindo sua compreensão da diversidade da francofonia e seu impacto no mundo.
A francofonia é um espaço vasto e dinâmico, que abrange países da Europa, da África, da América, do Caribe e da Ásia. No entanto, nos currículos acadêmicos, pouco se fala sobre a literatura, a história e as variações linguísticas dos países francófonos fora da França. Isso cria uma lacuna no ensino do francês como língua estrangeira, pois ignora a realidade de milhões de falantes que constroem e reinventam o idioma em diferentes contextos culturais.
Essa ausência tem consequências diretas para a formação docente. Professores que não são expostos à diversidade francófona tendem a reproduzir um ensino centrado no francês padrão da França, deixando de lado variações linguísticas legítimas e manifestações culturais ricas que poderiam enriquecer o aprendizado dos alunos. Além disso, essa visão limitada reforça estereótipos e impede que os estudantes compreendam o francês como uma língua global, viva e pluricêntrica.
Para superar essa limitação, é essencial que os cursos de Letras Francês ampliem seu escopo e incluam disciplinas voltadas aos estudos francófonos. A introdução de conteúdos sobre literatura africana, caribenha e canadense de expressão francesa, por exemplo, permitiria aos futuros professores explorar uma diversidade de vozes e perspectivas. Da mesma forma, o estudo das variedades linguísticas do francês ajudaria a desmistificar a ideia de que apenas o francês da França é válido e normativo.
A formação de professores precisa acompanhar a realidade da língua que ensina. O francês não pertence apenas à França, e os cursos de Letras têm o dever de refletir essa diversidade. Só assim será possível preparar educadores capazes de transmitir um ensino mais inclusivo, representativo e condizente com a verdadeira dimensão da francofonia.
Francofonia: Entre a Celebração da Diversidade e a Reflexão sobre o Passado Colonial

Ensinar a francofonia vai muito além de simplesmente explorar a diversidade linguística e cultural dos países que compartilham o francês. É um exercício de equilíbrio: ao mesmo tempo em que celebramos a riqueza dessas regiões, também precisamos abordar criticamente os legados coloniais que moldaram essa realidade. Afinal, a expansão do francês no mundo está diretamente ligada à história da colonização, e ignorar esse aspecto seria contar apenas uma parte da história.
A francofonia é marcada por uma pluralidade de vozes e expressões culturais. Da literatura africana contemporânea ao cinema canadense de expressão francesa, das tradições caribenhas ao francês falado no Magrebe, há muito a se valorizar e ensinar. Celebramos essas manifestações porque elas mostram como os povos apropriaram o francês, transformando-o e enriquecendo-o com suas próprias referências culturais, sotaques e expressões. Essa diversidade é um testemunho da resiliência e da criatividade das sociedades francófonas.
Uma abordagem equilibrada da francofonia no ensino envolve tanto a valorização da diversidade cultural quanto a análise dos desafios e tensões que a acompanham. Isso significa destacar autores e artistas que utilizam o francês para expressar suas experiências pós-coloniais, examinar como as políticas linguísticas influenciam os países francófonos e refletir sobre as dinâmicas entre o francês e as línguas locais.
Ao adotar essa perspectiva, evitamos uma visão simplista da francofonia, reconhecendo-a como um espaço complexo, em constante transformação. Celebramos as vozes que fazem do francês uma língua global e viva, sem deixar de questionar as estruturas históricas que moldaram esse cenário. Assim, promovemos um ensino mais justo, consciente e engajado com a realidade dos falantes de francês ao redor do mundo.